Faixa 3

quarta-feira

Um dia o chefe da repartição chegou dizendo que todos íamos trabalhar até as sete da noite.
- Que porra é essa? - eu disse - meu horário é até às cinco e não fico aqui nem mais um minuto.
O chefe nem me olhou para responder.
- Bem, Antunes, se você quer perder o emprego, não tenho nada com isso.
Ele era o maior filha da puta que já pisara naquele prédio e não era eu quem ia acatar ordens de um imbecil.
- Não estou nem aí - disse para Sarampo, o garoto ruivo que trabalha na mesa ao lado - vou embora às cinco horas. Melinda está em casa me esperando e não vou trocar aquele lindo e quente traseiro pelo traseiro gordo de um idiota.
- Não sei não, Antunes. Acho que você devia ficar. São só duas horas, de qualquer maneira.
Não existia a menor chance de eu perder duas horas naquele lugar, então eu lhe disse
- Sarampo, se você quer chupar as bolas do patrão, tudo bem, isso é problema seu, mas não me ponha no meio disso, garoto.
Sou velho demais para algumas coisas.
Sarampo era um garoto bom, tinha a pele cheia de marcas vermelhas e sabia contar boas piadas. Era o tipo de sujeito que passaria a vida num emprego ordinário, mas sem perder a esperança de um dia ganhar uma promoção, mas ainda assim, Sarampo era um bom garoto. Eu é que não tinha a energia para fazer o que ele fazia.
- Sarampo - eu disse - se eu tivesse a sua idade estaria por aí catando umas mulheres ao invés de perder meu tempo num emprego miserável como esse.
Aposto que Sarampo nunca tivera uma garota. O país está cheio desses rapazes inexperientes. Ele apenas me olhou e riu. Desconfio que tinha mais pena de mim do que eu dele.
Às cinco horas eu levantei para ir embora. Sarampo levantou-se também e apertou minha mão:
- Foi bom trabalhar com você, Antunes.
- Ora, não seja estúpido, Sarampo. Eles não vão me demitir.
Cheguei em casa e encontrei Melinda bebendo uísque na banheira. Ela estava com os pés para cima e entornava a garrafa feito um marinheiro bêbado.
- Que merda você pensa que está fazendo Mel, quer se matar, é isso?
Eu odeio quando Melinda bebe. Ela sempre fica mais pirada do que eu.
- Estou apenas tomando um banho, b-a-b-y. - Ela virou um gole. - Você já fez coisa muito pior.
Era verdade, mas eu a odiava mesmo assim naquele instante.
- Vamos, saia daí, meu bem.
Carreguei-a da banheira até a cama. O bom de Melinda é que ela nunca reclamava de nada. Era como um maldito peru que não sabe que vai ser assado. Joguei os cobertores em cima dela e peguei a garrafa. Tomei o último gole.
- Um garoto lá do trabalho acha que eu fui demitido, Mel, você sabia disso?
- Não, baby, não sabia. - Ela se virou de bruços e abraçou o travesseiro. - Conte-me, por favor, antes que eu morra numa convulsão de curiosidade.
Eu adorava o interesse fingido de Melinda.

1 Comments:

At 11:36 AM, Anonymous Anônimo said...

Recorte do teu novo LIVRO?

 

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