Faixa 3

quinta-feira

Apertou os olhos, esticou a cabeça para frente criando uma corcunda no fim do pescoço e, por fim, tirou os óculos. Sacudiu-os ao reclamar dessas porcarias que não funcionam, para não admitir que sua vista vinha piorando quase diariamente. Agarrou o jornal e foi à cozinha após vestir seus chinelos de couro falso. Anunciou à esposa que o jornal insistia em diminuir as letras das notícias para que coubessem mais anúncios, os mercenários. Pediu-a que lesse a notícia da página direita, a terceira, da coluna do meio, de baixo pra cima. A mulher - que o deixaria dali a dois dias, sem adeus nem carta no corredor, para viver duas cidades ao sul, abandonando Afonso sem endereço para onde mandar suas cartas semanais (pois era um homem duro demais para escrever todos os dias) que criaram mofo jogadas no chão da sala e logo a solidão da casa diminuiu-se à solidão do quarto que diminuiu-se à solidão da cama que o diminuiu à loucura, o que serviu de pretexto para que ele fosse internado em uma clínica psiquiátrica pelos filhos que teve com a mulher que não o amava, morta em um acidente de carro dois meses antes da internação - pegou o jornal e largou-o em cima da pia. Colocou os óculos que estavam dependurados no pescoço por uma cordinha de algodão rosa e pediu de novo as instruções de onde deveria ler a tal notícia. Tirou a franja da frente dos olhos e fez pose de concentração. Mordia o lábio inferior quando lia. Era apenas algo sobre as plantações de arroz no interior, nada que interessasse. Ela deixou que o jornal se molhasse na água respingada da pia e serviu duas xícaras de chá de jasmim.

4 Comments:

At 3:41 AM, Blogger luís felipe said...

e não sentiu nem um apertozinho no peito?

 
At 12:29 AM, Anonymous Anônimo said...

jasmim eh coisa de morte

 
At 7:11 AM, Anonymous Anônimo said...

eu gosto de jasmim

 
At 6:49 AM, Anonymous Anônimo said...

Cool blog, interesting information... Keep it UP »

 

Postar um comentário

<< Home