Faixa 3

quinta-feira

Apoiou o cotovelo na lareira, deu um suspiro terminado em ai, ai e voltou para o sofá. “Estou preocupado”, me disse com cara de preocupação. “Porque”, perguntei em voz baixa. “Tenho um conto e não sei o que fazer com ele”. Corri até o jornal mais próximo, detestava quando ele tinha problemas da espécie. Abri a Zero Hora de três dias atrás e disse “É mesmo uma pena”. Ele ficou me olhando – sinto quando me olham – e começou a fazer gestos com as mãos: círculos imaginários, contas nos dedos, estalos das juntas.

Quando ele acendeu um cigarro eu soube que a coisa não ia parar por ali. “Você bem podia me ajudar”, disse na primeira baforada. “Mate o personagem”, respondi. Ele fez um minuto de silêncio, creio que em respeito à minha morte sugerida, e disse “É uma idéia curiosa”. Ele sempre dizia curioso quando queria dizer estúpido. E então enumerou uma lista infindável de motivos para não matar o personagem, à qual eu não prestei atenção, mas creio que todos reduziam-se ao seu ódio pelo lugar-comum. Amassou o cigarro no cinzeiro e enfileirou quatro almofadas no meio do chão da sala para deitar em cima. Uma mania antiga e, digamos, curiosa. Olhando pro teto me disse “Não sei porque ainda te peço ajuda, nunca chegamos a lugar algum”.

Levei meu jornal à cozinha e fingi que tomava um café. Não demorou ele veio correndo, bateu o braço no trinco da porta, não sentiu, e sentou do meu lado. Jogou as mãos na página que eu lia. “Tive uma idéia brilhante. Vou fazer o personagem se matar e deixar um bilhete que diz Joguem minhas cinzas no mar, pelo menos na morte a gente tem que se permitir um clichê, então, percebe, o clichê é dele e não é meu, percebe?”. Sim, era uma idéia brilhante. E um tremendo desperdício de tempo.